«A Cidade», da Companhia Olga Roriz, Teatro Camões

Originalmente publicado em arte-factos.net, a 17 de Outubro de 2012.

A Cidade
foto: Olga Roriz

«Do you see the lights? Do you feel the danger? There are so many people around you. But I just want to teach you how to dance the rock n’roll.»

De pouco servirão palavras, quando uma descrição narrativa nunca se aproximará daquilo que se experimentou num espectáculo.

É da opinião geral que Olga Roriz traz-nos sempre algo de novo e inovador, que faz cair, em pleno palco, aquelas barreiras psicológicas que nos dizem que tudo-já-foi-inventado. A Cidade é mais um testemunho disso.

É num nevoeiro translúcido que, a pouco e pouco, reconhecemos a silhueta de um, dois, quatro bailarinos em palco. A vida na cidade, uma rotina coreografada, mecânica e repetitiva, tal como os seus movimentos. Logo no início, a peça anestesia-nos, convida-nos entrar na sua atmosfera: o nevoeiro, o fumo do cigarro que nos anula a sensibilidade ou o ar poluído que habitualmente respiramos nas ruas; o corpo dos bailarinos, o cadáver adiado, de que Pessoa fala na Mensagem, curiosamente no trecho dedicado a D. Sebastião.

O lugar a que nos convoca esta peça é aquele de que habitualmente fugimos, é o não tenho nada a ver com isso entre conversas de amigos, ou o que nos custa a reconhecer, mas é muito claro que, num ou outro momento, nos revisitamos nele. No entanto, Olga Roriz não o cria com um tom moralista, mas antes com uma linguagem (corporal) que nos permite reflectir sobre o nosso modo de estar com os outros e também connosco próprios, ao confrontar-nos com situações que são recorrentes na nossa vida.

É uma coreografia constantemente metafórica, aquela em que Pedro Santiago Cal dança com o lixo descontrolado, em que vemos o humano como lixo, embrulhado em palco, trancado, sufocado, arrastado num saco preto. Assistimos ao consumismo desalmado, à vida nocturna, inebriada de risos e ilusões. A felicidade efémera, no fim o vazio. Mas testemunhamos também a beleza, num curto tempo, ao lado de uma fogueira, um casal desnudo numa slow dance, enquanto ouvimos «our love is easy». De volta ao sufoco, à gravata apertada, aos horários, que se materializam numa geometria de passos, num cruzar de olhares instantâneo, não houvesse falta de tempo. Semeia-se dinheiro num estado crescente de psicose. A ganância. A mulher bate no homem, que se acabem os estereótipos. O ridículo. O espectador não é apenas voyeur deste espectáculo. Nele participa ao rever-se nestas personagens.

O trabalho cenográfico, as luzes, a selecção musical, foram claramente minuciosamente pensados, apresentando-nos novas representações de uma realidade com a qual diariamente convivemos. Para finalizar, destacaria o solo de Maria Cerveira, entre o bounce, o rítmico acelerado e a fluidez de movimentos, numa exploração do espaço que nos leva (e eleva) para um outro lugar, que não precisa de ser intelectualizado. Porque todos temos um refúgio em que nos podemos reencontrar, um espaço não corrompido, onde podemos escapar temporariamente da vida lá fora, na cidade.

A Cidade, da Companhia Olga Roriz, foi apresentada nos dias 12 e 13 de Outubro no Teatro Camões e passará ainda este mês pelo Teatro Municipal de Bragança.

Conversámos com Olga Roriz no dia 10 de Outubro. Leia a entrevista aqui.

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