
© Les Corps Dansants
Como é que projectos de dança ou performance site-specific podem aproximar os públicos ou atrair públicos mais jovens aos espaços que se abrem a estes?
O Museu Calouste Gulbenkian, apresentou em Janeiro Formas de Dizer e Pausa e Variações, performances co-criadas com a Faculdade de Motricidade Humana (FMH), desenvolvidas e apresentadas no contexto da exposição Pose e Variações. Decidi abordar, de forma espontânea, Susana Gomes da Silva, responsável de Educação do Museu Calouste Gulbenkian, que prontamente desenvolveu essa e outras questões. A conversa que se desenrolou entre performances de alunas de Dança, que interagiam com esculturas de Rodin, Carpeaux ou Dalou, mostrou a intenção e o trabalho de uma casa que procura não apenas expor objectos de arte, mas convidar as pessoas a experienciá-los, de uma forma cada vez mais activa.
De onde surgiu esta iniciativa do Museu Gulbenkian em conjunto com a Faculdade de Motricidade Humana (FMH)?
O serviço educativo já tem vindo há uns tempos a desenvolver aquilo a que chamamos de Young Gulbenkian, uma área da programação com jovens e de preferência em co-criação. No ano passado trabalhámos com um grupo de teatro de jovens, dos 14 aos 20 anos, que fizeram uma performance também de intervenção, na Colecção Moderna, e este ano, uma vez que sabíamos que tínhamos esta exposição, resolvemos aproximar-nos da FMH e dos professores de dança que já conhecíamos e lançar-lhes o desafio de criarem com os seus alunos um projecto para a exposição. Acabaram por sair dois projectos, um do primeiro ano e um do terceiro ano [da Licenciatura em Dança]. A ideia era criarem uma intervenção coreográfica para o espaço da exposição que devolvesse à exposição o movimento que a escultura sugere e, tendo em conta o título, Pose e Variações, que fosse no fundo algo que preenchesse o espaço entre a pose e a variação de uma pose. O resto era totalmente livre, para isso nós [Serviço Educativo do Museu Gulbenkian] desenvolvemos sessões na FMH. A Ana Rito, artista e curadora, que trabalhou esta exposição com o público, desenhou workshops de propósito para os alunos, aqui na galeria – ainda por cima, no seu trabalho de curadoria, enquanto artista, trabalha sempre as relações entre a dança e a imagem – e a partir daí foi-se consolidando, no fundo, esta relação [com a FMH].
(…) a ideia seria que eles fizessem uma intervenção coreográfica para o espaço da exposição que devolvesse à exposição o movimento que a escultura sugere.
Quantos alunos estiveram envolvidos nesta performance e como é que ela se desenvolveu?
Dezassete alunos do primeiro ano fizeram um trabalho com música, relacionado com uma cadeira [do curso] que trabalha as relações entre o som e o movimento. Chamava-se Formas de Dizer e era uma intervenção um pouco mais intrusiva na exposição. As alunas do terceiro ano [seis] desenharam uma coreografia [Pausa e Variações] a partir da ideia de pausa e variação, totalmente construída por elas, que serviu também como elemento de avaliação.
Para nós também era muito importante que isto não fosse um peso extra no percurso deles, mas antes uma oportunidade de aplicarem num espaço novo aquilo que já fazem habitualmente, com um desafio acrescido e com a possibilidade de darem visibilidade ao seu trabalho.

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E quanto tempo demorou o processo criativo?
Este é o resultado de vários meses de trabalho. Começou em Setembro de 2018 [e as apresentações aconteceram em Janeiro de 2019], houve dois workshops no Museu Calouste Gulbenkian e dois workshops na FMH. Todo este trabalho com os professores culminou neste momento em que eles apresentam em espaço de exposição e em três sessões seguidas a sua proposta coreográfica.
Queremos também fazer isto porque sentimos que muitas das vezes é difícil desfazer fronteiras simbólicas que existem nos espaços expositivos, onde parece que só se pode vir ver arte e não experienciá-la.
Ou seja, a ideia não é proporem uma parceria em que a entidade parceira prepare de forma independente um trabalho para apresentar aqui, mas antes trabalhar em conjunto durante todo o processo?
Exactamente, a ideia é que seja um processo muito participativo, ou seja, há um desafio lançado por nós, mas depois o resultado deste desafio é um trabalho em que todos nós participamos. De alguma forma, podemos lançar um guia daquilo que podem ser os temas que gostávamos de ver abordados, mas há total liberdade criativa quer por parte quer dos professores quer dos alunos para construírem o resultado final. Queremos também fazer isto porque sentimos que muitas vezes é difícil desfazer fronteiras simbólicas que existem nos espaços expositivos, onde parece que só se pode vir ver arte e não experienciá-la. Neste sentido, também estamos a trabalhar estas intervenções – que vêm ou do teatro ou da dança e às vezes também da música – para contaminarem este espaço e mostrar que um espaço expositivo tem muitas camadas de experiência, de experimentação.

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Eu não acredito propriamente que se possa desenhar uma programação para audiências jovens, acho que se tem de desenhar com essas audiências.
Acha que é também uma forma de aproximar os públicos à Gulbenkian e à arte, em geral?
Sim, e também de fazer uma coisa que para mim é importante: quando falamos em, por exemplo, conquistar audiências jovens, eu não acredito propriamente que se possa desenhar uma programação para audiências jovens, acho que se tem de desenhar com essas audiências e esta é uma maneira de o fazer. Dando-lhes a liberdade criativa de serem eles [jovens/alunos] a propor qual é a intervenção no espaço, eu sinto que aquilo que se desenha é mais genuíno, que tem esta força que nós queríamos, que vem deles e que chama outros como eles. Nesse sentido, interessa-me muito este lado de co-criação.
Devo dizer que na área da dança fizemos, por causa desta experiência, uma sessão com alunos do ensino básico. Foi uma coincidência feliz, porque um professor que trabalha numa escola onde a dança também é muito importante soube deste projecto e quis fazer uma experiência parecida, mas com alunos do primeiro e segundo ciclos. Fizeram também um workshop no Museu Calouste Gulbenkian e uma pequena apresentação para os colegas aqui no espaço da exposição. É uma intervenção com outro fôlego, mas acho que o espaço dos museus e das exposições também não deve ter medo de correr estes riscos. Obviamente que é um trabalho diferente, mas tem essa coisa boa de mostrar que isto é um espaço de experimentação que nos pertence a todos.
Eu considero que um dos trabalhos a fazer no serviço educativo é justamente abrir os espaços (…) como um território onde construimos relações, com pessoas diferentes, com colectivos diferentes.

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Há ainda a percepção, por parte de algumas pessoas, de que a Gulbenkian é uma Fundação de certa forma distante das pessoas. Há então essa abertura para escolas, faculdades ou mesmo para outras entidades fazerem este tipo de parceria?
Sim, ou mesmo para outro tipo de colectivos. Obviamente estamos sempre a falar do ponto de vista da programação de um serviço educativo, mas eu considero que um dos trabalhos a fazer no serviço educativo é justamente abrir os espaços. No meu caso é o espaço do museu, mas poderia ser outro – e abrir este espaço como um território onde construimos relações, com pessoas diferentes, com colectivos diferentes. Isto implica justamente deixar entrar, inclusivamente às vezes ter de revolucionar um bocadinho aquilo que é o mais expectável, para que o espaço possa transformar-se noutra coisa e, nesse sentido, o Museu Gulbenkian tem vindo a ter esta abertura. O serviço educativo existe já há muito tempo, mas desde que a nova directora chegou, Penelope Curtis, tem havido um reforço desta ideia, de que este é um espaço para abrir, para trazer visões e leituras diferentes. Por isso também me interessa muito que, quando fazemos estas propostas, elas de facto resultem numa leitura diferente, não só do espaço, mas dos próprios objectos artísticos que aqui estão. Fazemos com a dança, mas temos feito também, por exemplo, com refugiados. Temos um processo de longo curso com refugiados [inserido no PARTIS – Práticas Artísticas para Inclusão Social] em que também há uma construção de leituras da colecção a partir de experiências de construção de narrativas por parte de refugiados; fazemos exactamente a mesma coisa com a comunidade sénior da vizinhança, num projecto que se chama Entre Vizinhos, portanto há muito esta vontade de que este trabalho que nós fazemos seja, mais uma vez, uma camada de leituras possíveis para os espaços que nós representamos e que são no fundo os nossos acervos e as nossas exposições.
Eu, de qualquer forma, diria que a Fundação está a mudar. Há ainda um discurso simbólico que se vai mantendo no inconsciente colectivo, que ainda a distancia [das pessoas]. Contudo, a Fundação tem mudado muito, tem cada vez mais iniciativas, que são muito diferentes daquilo que era a programação que a caracterizava. Mantém-se na mesma linha, mas com um outro propósito. Por exemplo, A Noite das Ideias, o Gosto dos Outros, iniciativas que rompem um bocadinho com aquilo que é o mais expectável de programação da Fundação e que são assumidas pela casa – ou seja, não é um acidente, é uma vontade. Penso é que vai levar algum tempo a consolidar esta nova ideia, mas de qualquer forma, o serviço educativo está a dizê-lo alto e em bom som já há muito tempo – isto é mesmo uma das linhas-matriz do nosso trabalho.

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Descubra mais sobre a exposição Pose e Variações, aqui.
A exposição está neste momento na Glyptoteket de Copenhaga, até 16 de Junho de 2019.
LES CORPS agradece a Susana Gomes da Silva, Responsável de Educação do Museu Calouste Gulbenkian, a sua disponibilidade para responder a todas as questões acima, em circunstâncias informais, durante a exposição Pose e Variações.