Há questões da humanidade que jamais serão consensuais. Uma delas eventualmente será o porquê de dançarmos – tão simplesmente porque cada pessoa tem uma experiência única, irrepetível, diferente de todas as outras pessoas. Se há quem se atreva a um pé de dança apenas quando está em festa, há quem, seguindo o conselho de Nietzsche, não consiga passar um dia sem ter dançado. Independentemente do contexto, muitas são as personalidades que têm sublinhado a universalidade da Dança – «A dança é uma linguagem universal», como afirma Judith Lynne Hanna. Afinal, o que é que nos impele a dançar? Uma forma de comunicarmos o que não conseguimos exprimir por palavras? Uma forma de nos ligarmos ao mundo? Um momento para simplesmente descontrairmos e/ou socializarmos?
O header de Les Corps Dansants em Abril – uma vez mais da autoria de Duarte Illustration, nas mãos de Ana Duarte – é dedicado ao Dia Mundial da Dança. 29 de Abril foi assinalado em 1982 pelo Comité Internacional da Dança (CID), da UNESCO, como o Dia de comemoração da Dança, em homenagem a Jean-Georges Noverre (1727 – 1810). Bailarino, criador e professor, é ainda autor de Lettres sur la danse et sur les ballets (1760), considerada uma obra incontornável na história da Dança, revolucionária pela abordagem e reforma que propõe à dança e ao ballet, determinante na forma como hoje o percepcionamos.
Neste Dia Mundial da Dança 2018 falámos com profissionais de Dança para perceber o que os move, o que – a seu ver – falta fazer em Portugal; qual o papel da dança na vida daqueles que a praticam e qual o seu potencial impacto enquanto forma de inclusão social. Não teremos certamente tocado em todos os pontos-chave, mas esperamos ter aberto um ponto de partida para um debate mais alargado.
Piny Orchidaceae, Bellydance Fusão Tribal, Dança Contemporânea, Danças Urbanas
O que é que te move na dança?
O que me move não é nenhum objectivo específico, apenas uma necessidade interna de dizer mais do que as palavras podem. Através do corpo, do abandono do mesmo à música ou ao silêncio deixá-lo ir. Anular um pouco a razão consciente e deixar outras coisas sair de forma mais imediata ou mais crua. Acho que para mim é a crueza, o que não é polido, ou o que pode ser interpretado por cada um à luz da sua própria experiência que faz a magia, tudo o que é imediato e que nesse imediato traz tudo o que és, tudo o que já viveste ou que podes manipular. A dança não é algo que faça é algo que sou.
O que é que sentes que falta fazer pela Dança em Portugal?
Falta sempre muito, mas também muito vai sendo feito. É impossível chegar a um ponto absoluto, porque a Dança é enorme e parte integrante e inerente ao que é ser humano. A Dança não está só no palco ou em qualquer espaço formal de apresentação. A Dança existe como parte integrante de quase todas as culturas, a Dança é uma das primeiras manifestações humanas. A Dança como ritual, como dádiva, como celebração, como mecanismo social. A Dança acontece em casa, na rua, num templo, no palco. Existe de forma solitária, social, de partilha, de conquista, de expressão. Existe com música ou sem ela. Existe no corpo que todos temos. O que falta? Falta credibilizar a sua importância. Falta apoio para a sua profissionalização e passagem de espaços informais para espaços formais. Falta sobretudo uma atenção mais generalizada a todos os estilos de dança e apoio aos mesmos. Falta apoio à criação e ao desenvolvimento de competências artísticas e técnicas fora do meio clássico e contemporâneo. Falta também o entendimento do que é contemporâneo e uma maior atenção ao estudo de danças tradicionais e folclóricas e às danças que vão sendo criadas e construídas todos os dias em contexto urbano. Faltam espaços onde se possa experimentar, criar, falhar, partilhar e crescer. Falta no apoio a amplitude que a dança tem.
Piny Orchidaceae (Anaísa Lopes) tem uma linguagem eclética entre Bboying, House, Lofting, Waacking, dança contemporânea e Tribal Fusion Belly Dance. Bailarina, coreógrafa e professora de dança, participa em inúmeros projectos de dança nacionais e internacionais. Descubra mais sobre Piny e o seu trabalho aqui e aqui.
Maria Barroso, Dança Clássica e Contemporânea
Quando é que “descobriste” que querias ser bailarina?
Descobri que queria ser bailarina em pequenina, quando passava os dias a dançar em frente ao espelho, a “dar aulas” aos meus peluches e a imitar a Shakira nos seus concertos. Assim que entrei para o Conservatório o bichinho começou a ser mais sério e a “competição saudável” fez com que me agarrasse cada vez mais à dança. O querer superar-me a mim mesma e o facto de “idolatrar” bailarinas como a Filipa Castro e a Ana Lacerda deram-me inspiração para continuar até hoje.
E o que é que sentes que ainda falta fazer no campo da Dança em Portugal?
Sinto que em Portugal se arrisca bastante no campo da dança. Somos muito ecléticos na Companhia Nacional de Bailado (CNB), por exemplo. Um dia podemos estar a dançar o bailado mais “puramente clássico” como no dia seguinte já estamos a fazer um contemporâneo. Falta, no entanto, chamar público com mais publicidade e anúncios, por exemplo, e não me refiro só à CNB, mas a verdade é que os portugueses não têm por hábito ir ao teatro…
Maria Barroso é bailarina da Companhia Nacional de Bailado, tendo já passado por companhias como o Semperoper Ballet (Dreden) e o Royal Ballet (Londres).
Marco Menezes, Danças Urbanas
O que é que te move nas danças urbanas?
O facto de ser algo que nasce, cresce e se desenvolve num ambiente irregular como o Urbano, com tantas vontades diferentes, tantas cores e feitios… Na minha opinião, ao contrário das danças académicas, a Dança Urbana alimenta-se destas “imperfeições” e destas “divergências”. Algo que me acolheu desde o princípio – por eu mesmo ser “imperfeito” e “divergente” aos olhos dos outros. Pratico o estilo Popping (Robot), House Dance e Freestyle Hip Hop há cerca de 27 anos. Todas elas são danças sociais e todas ela têm uma qualidade de movimento e uma textura diferentes, bem como uma cultura própria.
Qual o impacto que a Dança pode ter nas pessoas que a praticam?
A dança é essencial para qualquer ser humano. Não há nada melhor para a nossa alma do que a expressão própria, algo que o ser humano devia ter sempre presente no seu quotidiano: poder exprimir-se, principalmente com movimento. Dançar é saudável psicológica e fisicamente e uma excelente ferramenta para socializar – aliás, é a ferramenta perfeita na minha opinião. Penso que a Dança torna o nosso vocabulário como seres humanos completo.
Marco “Obelixx” Menezes vive em Antuérpia, onde criou a Obelixx Popping Factory, um colectivo de dança que explora este género urbano, o freestyle e a produção artística. Descubra mais sobre Marco e o seu trabalho aqui.
Sara Toscano, Danças Gregas
O que é que te move nas danças gregas?
A dança grega antiga, com a qual me ocupo, é uma dança que me entusiasma porque está incompleta. Por um lado, há uma quantidade extraordinária de informação proveniente de fontes literárias, visuais, musicais e arqueológicas que nos dão indícios de como a dança era na Grécia Antiga, mas por outro lado não há qualquer registo dessas danças. Este facto obriga-me a aliar as componentes de investigação e criação, que adoro. A dança grega antiga obriga-nos também a reflectir sobre o papel da dança nos dias de hoje, comparando-a ao impacto que esta tinha na antiguidade, quando fazia parte da educação e da formação dos cidadãos e era detentora de funções sociais, religiosas e políticas.
Da tua experiência com alunos oriundos de diversos contextos sociais e culturais, qual acreditas ser o papel da Dança na sua formação e inclusão social?
A dança é uma linguagem não verbal que permite aos participantes expressarem-se para além das barreiras da língua. Na medida em que uma das dificuldades de integração de imigrantes e refugiados verifica-se ao nível da linguagem, a aula de dança é um espaço onde a comunicação flui quase sem interrupção, facilitando a interacção entre pessoas de diferentes países. Outro aspecto que tenho vindo a verificar, sobretudo entre adolescentes de diferentes países ou contextos sociais, é que há músicas comerciais que são quase “universais” e transversais a todas as classes sociais, porque, mais do que um estilo de vida ou nacionalidade, identificam uma geração. Ao ouvirem e dançarem essas músicas, os alunos reconhecem-se como sendo parte do mesmo “grupo”, descobrem que têm algo em comum e interessam-se uns pelos outros com maior facilidade. Por último, através da dança, os participantes revelam aptidões que eles próprios desconheciam, tais como a criatividade, a memória coreográfica ou a musicalidade, facto que contribui para aumentar a sua auto-estima.
Sara Toscano vive entre Portugal e Grécia, é coreógrafa, produtora, investigadora de danças da Grécia Antiga, professora de Danças do Mundo e tem vários projectos de dança de cariz social. É ainda Secretária-Geral Adjunta do Conselho Internacional de Dança da UNESCO. Descubra mais sobre Sara Toscano e o seu trabalhoaqui.
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