Que dualidade sempre presente nisto de ser gente é que encontramos em Triste in English from Spanish, além de uma procura daquilo que, digamos, poderá considerar-se uma cura esclarecida para a assumida depressão da sua criadora-mor? Poder-se-á ter presenciado um ritual à maneira de mito cosmogónico de redenção pela tristeza, se quisermos, de facto, ver isso. À tangente seria um espetáculo sobre uma luta pessoal que se estende ao humano. Tudo e nada, o físico, corpóreo e o atrito da linguagem, combativa ou apenas calorosa da memória, língua e geografias onde se desenvolve. Até aqui, nada de muito novo quando se fala de conceito, ou vá, de ideia, mas tudo de distinto enquanto maneira de expressão.
Entrada a pés juntos. O corte não é limpo, atingindo as pernas do jogador ao invés da bola. Acumulação de amarelos, cartão vermelho, expulsão. A metáfora convém à ousadia de escriba, ao citar Mil Planaltos de Deleuze & Guattari. Como objecto temos o molde para os atributos estéticos do espetáculo em questão, de Sónia Baptista, servindo-se dos mesmos parâmetros de aceitar o que pede o objecto, assim como se viu em palco a interpretação sui generis das criadoras, a partir de The Boxing Series de Stephanie Spindler. Deleuze & Guattari não teorizaram futebol, e para os mais distraídos, a citação só agora surge: “Um conceito é um tijolo. Pode ser usado para construir um tribunal da razão. Ou pode ser jogado para atravessar uma janela”.

As artes performativas em Portugal, são – facto – inqualificáveis (logo, numa liga solitária, de apenas uma equipa sem limite de jogadores e substituições,) ou seja, no sentido de incomparáveis, e se continuarmos numa de prefixos, isolemo-las e temos “in”. Tal como o grande cinema que por cá se faz com a ninharia que o contribuinte gosta de disfarçar de bode expiatório (generalismo ofensivo, claro) como causa de recessão sistémica, este “descalabro sem sentido” de Sónia Baptista e demais co-criadoras é oportuno para desligarmo-nos da portugalidade que nos corre na veia e na caganeira, de modo a compreender que, tal como aquilo que presenciamos quando César Monteiro discorreu sobre o “brochino” em Vai e Vem, aquilo que a brilhante Paula Sá Nogueira, vestida de Urso Polar com expressivos mamilos rosa, é mais que um “comic relief” – é o arriscar do absurdo no plano da lucidez.
Se considerarmos o lúcido a farsa que é, à maneira de Camus ou do seu totem panteónico de sobrenome Dostoiévski, há muito de existencialista nos animais-espírito escolhidos por Baptista neste Triste; o já referido urso polar e o metafórico polvo são representativos quer de um cariz reflexivo (Sá Nogueira é a voz da razão de Baptista) e o polvo, quiçá manifestado nas demais intervenientes de cena (enumerando: Cleo Tavares, Márcia Lança, Carolina Campos, Joana Levi e Ana Libório) são várias manifestações de uma fúria primária de defesa e cobiça pelo espaço, do individual para o colectivo, a partir dessa mesma proteção.
Pairam mais perguntas da parte de quem nunca esperou respostas. Para a tristeza, o conhecimento.
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Triste in English from Spanish
Um projeto construído por Sónia Baptista, Carolina Campos, Márcia Lança, Joana Levi, Cleo Tavares, Ana Libório, Paula Sá Nogueira, Raquel Melgue, Aya Koretzky, Gabriela Salazar, Daniel Worm, Lara Boticário, Lara Torres, Héloise Marechal, Raw Forest, Sonja, Bleid, Stephanie Spindler, Ana Vidigal, Anne-Sophie Tschiegg, Joana Dilão, Cláudia Duarte, Liliana Coutinho, Patrícia Azevedo da Silva, Maria Sequeira Mendes, Júlia Rocha, Marília Garcia, Angélica Freitas, Carla Diacov, Nina Rizzi, Adelaide Ivánova, Ingrid Carrafa, Virna Teixeira, Francine Jallageas, Júlia de Carvalho Hansen, Rita Isadora Pessoa, Érica Zingano, Aimée Pedezert, Isidro Paiva, Agapi Dimitriadou, Carolina Barreiros Projeto financiado por DGArtes Coprodução Culturgest Produção AADKApoios Alkantara, Gaivotas6, O Armário – Arte Ilimitada, TAGV, O Espaço do Tempo, Kubik Galeria, Centro Cultural VilaFlor – Candoso, Cão Solteiro, Galeria Monumental, Teatro Sá da Bandeira, FabLab.