Lander Patrick e Jonas Lopes, Cristina Planas Leitão, Victor Hugo Pontes, São Castro e António Cabrita, Mariana Tengner Barros, Dinis Machado, André Mendes, Marco Da Silva Ferreira, João Dos Santos Martins, André Mesquita, Catarina Miranda, Rafael Alvarez, Flávio Rodrigues e Joana Castro, Sofia Dias e Vitor Roriz, Cláudia Dias, Teresa Silva, Marlene Monteiro Freitas, e a lista podia continuar. Estes são os nomes protagonistas de Portugal que Dança, a série que,todas as quintas-feiras, na RTP2, à noite, pretende documentar o lugar da Dança na paisagem contemporânea e também os processos criativos (e emotivos) dos seus criadores. O desafio? Vivermos, pensarmos e debatermos cada vez mais a Dança e os seus fazedores. Parece-nos, por isso, adequado (se não mesmo necessário) inaugurarmos esta página, LES CORPS, a falar de um projecto que partilha, ainda que de forma distinta, da mesma missão.
E quem melhor para nos esclarecer o que está na génese – e nos interstícios – desta série documental, senão o seu autor, Luiz Antunes, que entrevistamos. Para quem (ainda) não conhece o Luiz, o seu percurso é riquíssimo. É formado em Música pelo Conservatório de Música de Lisboa e da Covilhã, Licenciado em Dança pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, e candidato ao título de Mestre em Gestão Cultural pelo ISCTE. Ingressou ainda no curso de bailarinos no Estúdio Escola de Anna Mascolo, que afirma ter um papel fundamental no seu percurso académico e artístico. Complementou também a sua formação na escola da Ópera de Paris e na escola de Jacques Lecoq na mesma cidade, assim como em workshops e estágios, nacionais e internacionais, de dança contemporânea, composição, teatro e dramaturgia. Foi estagiário no extinto Ballet Gulbenkian, na área artística e de produção, sob a Direção de Iracity Cardoso e Paulo Ribeiro. Como coreógrafo, desenvolve o seu trabalho desde 2000 e já publicou vários trabalhos de investigação. É ainda colaborador regular da revista Literária Textos e Pretextos, do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras de Lisboa, onde foi inclusivamente editor convidado do nº 11 (2008) “Coreo-Grafias”, e Coordenador de Arte de outros vários números. Estudou e trabalhou com Joclécio Azevedo, João Fiadeiro, René Bon, Luís Damas, Né Barros, Jorge Levy, Allan Falieri, Tânia Carvalho, André e. Teodósio entre outros. Poderíamos continuar…Mas é ainda de referir que Luiz é fundador da Heurtebise – Associação Cultural (www.heurtebise.pt) e co-fundador do projecto –mente (www.mente.pt).

Quando surgiu esta ideia? E a que propósito – sentes que estamos numa altura determinante no que diz respeito a novos coreógrafos? Não querias que algo escapasse?
Esta ideia tem vindo a ser maturada há algum tempo, por isso nem sei de onde surgiu. Acho que foi-se construindo assente num pensamento: sabe-se muito pouco sobre os criador@s sediados em Portugal, em particular de dança, como as suas pessoas e o seu trabalho. Na sequência de uma longa pesquisa para uma criação, minha e do Sérgio Diogo Matias, Pastiche – uma incursão sobre citações de movimento de alguns coreógraf@s da dança contemporânea portuguesa, pensei que devia usar essa informação para algo mais. Depois de ler um artigo do António Pinto Ribeiro, Documentários, precisam-se! do livro Questões Permanentes – ensaios escolhidos sobre cultura contemporânea (2011), pensei que a forma ideal para trabalhar essa informação seria mostrar vários universos criativos da maneira mais sincera, tendo como protagonistas os próprios coreógraf@s. Achei que ser alguém da Dança a falar da própria Dança era fundamental e algo que queria fazer.
A criação coreográfica em Portugal é algo relativamente recente e com um percurso pouco linear (1940 / 2017). Falarmos em criação de pensamento a partir da Dança é algo então muito mais recente: desde a emergência da chamada geração da Nova Dança Portuguesa – nos inícios dos anos 90 – com a sua fundamentação e validação por parte de alguma intelligentsia vigente, a abertura de centros de formação bem como algum investimento na formação diferenciada, a internacionalização, um olhar diferenciado sobre a cultura e particularmente sobre a dança, foram factores que permitiram criar algumas condições «Sabe-se muito pouco sobre os criador@s sediados em Portugal, em particular de dança» para que surgissem novos criador@s e novos pensamentos artísticos coetâneos. Não sei se esta altura é mais determinante do que outras, no que diz respeito ao aparecimento de novos coreógrafos, o que sei é que existem, por isso é fundamental comunicar, dar a conhecer o trabalho profissional e o universo de cada um de forma transversal, horizontal e oblíqua.
Para além destes mundos escaparam tantos outros universos, infelizmente muitos outros criadores não foram contemplados nesta série documental, por questões logísticas, por isso muito mais se poderia trazer, escapa sempre alguma coisa.

É acompanhado o dia-a-dia de trabalho de 21 jovens criador@s de dança. Qual é o foco principal desta série documental?
Nesta série de 17 documentários são acompanhados 21 criador@s, pois alguns trabalham, apresentam-se e são apresentad@s como duplas criativas, mas respeitando a individualidade de cada pessoa. Isto foi fundamental.
Penso que é importante referir que o formato documental é por si só um elemento importante, pois há um pressuposto de verdade através das imagens captadas pelo olhar da realizadora Cristina Ferreira Gomes, aproxima-nos “daquelas” realidades. Isto faz do espectador uma testemunha da história real, são “imagens com memória”. Cada criad@r, em cada documentário é protagonista da sua própria realidade.
O foco principal desta série documental é o lugar da Dança no panorama da criação contemporânea e os seus intervenientes; dar a conhecer, dentro das suas limitações intrínsecas, cada criador@r, os seus processos, os seus métodos de criação, as suas influências, escutar as leituras de observadores especializados. Como trabalham, mostram e criam empatia com o real e revelam como a matéria da ideia é posta em cena.
Há no trabalho destes criadores um cunho político-social, uma voz que pode por vezes não ser muito directa ou clara, mas que está lá patente. É também essa a função – ou força motora – da dança e dos seus criadores? Dar corpo (e movimento) a questões sociais?
Os criador@s, através da dança ou de outra forma de arte, intervêm na realidade com a sua própria realidade, promovendo e alimentando leituras, estando na sua base um conceito impreciso, complexo e volátil: as emoções. A dança parte da ideia de corpo (de um corpo pensante) e o corpo é naturalmente expressivo, nas suas inúmeras dimensões. O facto de estar num determinado espaço, devidamente contextualizado, torna-o social e político. Contudo as criações podem não ter como “função”, ou mesmo como força motriz, questões «A dança não pertence ao universo do convencional, mas permite provocar leituras, reflexões, inquietação, permitindo sempre um exercício democrático.» directamente políticas e/ou sociais, mas elas podem estar lá, de forma mais ou menos explícita. Se há criador@s que revelam estas preocupações, utilizando-as como matéria prima para os seus trabalhos coreográficos, outros partem de outras premissas, e penso que ambos os exemplos podem ser vistos no Portugal que Dança (PQD). A linguagem convencional não se pode traduzir por algo que não é convencional e, na minha visão, a Dança não pertence ao universo do convencional, mas permite – como outras formas de expressão artística – provocar leituras, reflexões individuais ou discussões públicas, inquietação, estranheza e espanto, permitindo sempre um exercício democrático.

Um desafio: qual consideras ser a maior característica distintiva de cada dupla e cada criador desta série (que até agora mostrou o quotidiano criativo de Lander Patrick e Jonas Lopes, de Cristina Planas Leitão, Marco Da Silva Ferreira, Catarina Miranda, Flávio Rodrigues e Joana Castro, entre outros)?
Como artista e pessoa da Dança seria um desafio caracterizar cada um/a, mas seria meramente uma visão pessoal e um exercício redutor de adjectivação. Mas proponho a cada pessoa que os descubra ou redescubra, nos documentários, através de cada segundo de imagens, de cada reflexão dos convidados que explanam sobre cada universo criativo, para que possam apreender a multiplicidade de características de cada criad@r.
As filmagens decorreram em treze cidades de Norte a Sul de Portugal e também nos Açores, e em oito cidades internacionais, entre as quais Paris, São Paulo, Roterdão, Estocolmo… Qual foi o maior desafio na concretização deste projecto?
Não sei dizer qual foi o maior desafio, talvez o excesso de amor, vontade e dedicação de toda a equipa para que este projecto acontecesse. Tivemos que nos casar todos com o projecto, para que o conseguíssemos gerar. Por vezes estivemos à beira do divórcio colectivo mas terminou tudo numa grande orgia criativa.

E como foi trabalhar com Cristina Ferreira Gomes?
Depois da ideia estar consolidada, foram alguns realizadores que sondei… mas como o Herberto Helder escreveu “Cristo a andar sobre as águas é ainda o caso do Bailarino / “o estilo / claro que “isto” apavora / a dança faz parte do medo se assim me posso exprimir”… mas a Cristina Ferreira Gomes (CFG) não teve medo da dança. Foi num jantar de amigos que decidi ir ao encontro da CFG e ela não precisou de muito tempo para aceitar o desafio. «A dança em Portugal é silenciosa e quebrar este silêncio imagético foi algo que a Cristina Ferreira Gomes fez, e da melhor forma.» Foi muito importante ter trabalhado com alguém com uma grande cultura visual, mestria e acima de tudo uma criadora, mas que não pertencia ao meio da dança. Inicialmente poderia parecer algo contraproducente, mas a disponibilidade por parte da CFG foi total para absorver o universo de cada um dos coreógrafos e ganhar a sua total confiança – por vezes com receio de ambas as partes. A dança em Portugal é silenciosa e quebrar este silêncio imagético foi algo que a CFG fez, e da melhor forma.
Para mim, e sob o ponto de vista criativo, foi enriquecedor e aprendi muito com a CFG. As reflexões conjuntas e as discussões que fizeram parte do processo foram importantes para que pudéssemos, em conjunto, alcançar o resultado final. Penso que ficamos ambos mais ricos e mais próximos, isso é algo que não se poderá traduzir por palavras. Apesar do projecto ser conjunto, cabe-me a mim dizer que a CFG passou a ser uma pessoa da Dança.
Para um Portugal que dança, temos hoje um público que observa – atento, interessado, e até cada vez mais especializado?
A questão “dos públicos” é complexa e envolve vários factores. Mas sim, em termos muito gerais há um público mais atento, interessado e informado. Penso que tudo depende da criação de valor em torno do que é comunicado e como é comunicado.
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Portugal que Dança é uma série documental de 17 episódios com a autoria de Luiz Antunes e realização de Cristina -Ferreira Gomes. A série foi produzida pela Mares do Sul, com apoio à produção pela Heurtebise, para a RTP. Contou com os apoios do Teatro Rivoli Campo Alegre, da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação GDA.
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Uma opinião sobre “Luiz Antunes: “Sabe-se muito pouco sobre os criador@s de dança””