O percurso de Sara Toscano e o projecto HANDS

Originalmente publicada em arte-factos.net, a 10 de Dezembro de 2014.

foto: Alexandre Cabrita
foto: Alexandre Cabrita

Sara Toscano nasceu em 1982 em Lisboa, mas é entre Portugal e Grécia que vive actualmente. Bailarina e coreógrafa, tem dedicado a sua vida à investigação e ensino de Danças do Mundo, sendo certificada em danças do Médio Oriente pela Fundação para a Educação das Artes, de Roterdão, Holanda. Procura constantemente explorar a relação entre movimento e significado, bem como questões de diálogo entre danças, histórias, tradições e simbolismo, o que a leva a viajar mundo fora, tendo já passado por Espanha, Marrocos, Turquia, Balcãs, e Estados Unidos e participado em diversos projectos de dança e performance internacionais. Tem praticado ainda danças tradicionais, como o Folclore português, a expressão primitiva e dança indiana, mas é na Dança Oriental que encontra curiosidade e enigma, procurando compreender os seus interstícios, o seu impacto nas artes, no entretenimento, na moda, no consumismo e performance. Com um percurso extensíssimo (ver mais aqui), é de salientar que Sara Toscano participou por três anos consecutivos no Congresso Internacional de Investigação de Dança organizado pelo International Dance Council da UNESCO e foi ainda responsável pelo primeiro Curso de Dança do Médio Oriente em Portugal, certificado por esta.

Lançou recentemente um site de crowdfunding para o seu projecto a desenvolver, HANDS. Este projecto traduzir-se-á num vídeo-dança com uma mensagem contra a discriminação. A ideia é juntar artistas de diferentes nacionalidades e áreas (da poesia à fotografia, passando claro pelo vídeo, movimento e música) numa mensagem pela igualdade. Fomos conversar com Sara para perceber melhor em que consiste este projecto.

Antes de falarmos de HANDS, algumas curiosidades e contextualização: a Sara é Licenciada em Publicidade e tem formação também em teatro e artes visuais. Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso e o que a levou a dedicar-se profissionalmente à dança?
Eu segui a vertente artes no secundário e estudei publicidade na faculdade. Paralelamente fiz formação em teatro e frequentei inúmeras aulas de dança e outras disciplinas de corpo. Foi assim que descobri a dança oriental. Eu sempre nutri um certo fascínio pelo Oriente e a expressão e imaginário da dança oriental contagiaram-me. Nunca mais deixei de ter aulas. A transição de publicidade para dança foi gradual. Quando na Holanda tirei o curso de ensino de dança aplicado às danças do mundo e integrei o grupo Baladi, sob a direcção artística de Mahdy Emara, recebi inúmeras propostas de trabalho. Foram quatro anos de experiências riquíssimas como bailarina e professora de dança, que decidi renunciar a uma vida passada de escritório. Actualmente procuro conciliar os meus diversos interesses na dança, incluindo a publicidade. Aliás, a publicidade e a dança oriental têm muito em comum: são ambas “linguagens de sedução”, tão codificadas e simbólicas que quase nos convidam a estabelecer um paralelismo entre os seus inúmeros mistérios.

E porquê a Dança Oriental? O que é que despertou mais a sua curiosidade ou o que é que a intrigou mais nesta dança?
Na dança oriental descobri um vocabulário lindíssimo mas também outras disciplinas que me interessam, como cultura árabe, música, história e pensamento oriental. Por outro lado, a dança oriental é profundamente humanista no sentido em que é uma dança do indivíduo, não uma dança do corpo. O bailarino tem um nome e uma identidade e dança-se a si próprio. Não há uma desconstrução do corpo nem fragmentação do eu. Nesse sentido é uma dança extremamente complexa, embuída de uma série de códigos e fruto de uma longa tradição que é preciso conhecer. Em termos de movimento rege-se por princípios muito diferentes da dança ocidental – por exemplo, privilegia a descontração do corpo como chave para uma técnica correcta; é uma dança que não dá ênfase às pernas e aos passos, como no ballet, no sapateado ou no folclore, mas sim ao centro do corpo. A dança oriental não requer um bailarino jovem e atlético e privilegia muitas vezes a maturidade do artista em deterimento da destreza física. É uma dança muito sábia.

Tem um percurso muito interessante no que diz respeito à investigação de dança, tendo apresentado três trabalhos no Congresso Internacional de Investigação de Dança da UNESCO. Como foi ter à UNESCO e o que retém dessa experiência?
A primeira vez que ouvi falar do Conselho Internacional de Dança da UNESCO foi em 2009 e identifiquei-me com o princípio de igualdade entre todas as manifestações de dança de todas as regiões do mundo, que a UNESCO defende. Os congressos da UNESCO estabelecem pontes entre bailarinos que rejeitam uma hierarquia entre as danças e valorizam por igual a tradição e a inovação nesta arte. No último congresso participei em aulas que vão desde danças mágico-ritual da Tunísia, a danças barrocas da Alemanha à dança da Grécia antiga, etc. No decorrer dos últimos anos apresentei três trabalhos de investigação: “Shimmy your stress away: reduzir o stress com a dança oriental”, “Fado Oriental – uma história dançada em português” e “Dança Oriental: uma abordagem subversiva à dança” e a experiência foi extraordinária. Geraram-se debates muito interessantes que chegaram mesmo a estender-se fora das salas do congresso.

Tem feito também diversas colaborações com artistas internacionais e de diversas áreas. Esteve, por exemplo, envolvida num projecto de escultura, Tarab Sculptures de Siba Sahabi (ver aqui), que transformou efeitos do vestido da Sara em movimento em esculturas. A Sara procura sempre este tipo de colaborações multidisciplinares? Porquê?
Sim. Creio que o facto de eu própria ter um percurso tão pouco linear me leva a dar preferência aos trabalhos desenvolvidos em parceria com artistas de outras áreas. No fundo acredito que é nos projectos multidisciplinares que reside a verdadeira alquimia da arte. Quando diferentes disciplinas – interpretadas por diferentes artistas – se cruzam, o resultado final é mais arrojado. Além disso, a satisfação que resulta de concretizar um projecto partilhado é proporcional ao número de pessoas que nele participam [sorriso].

O projecto HANDS pretende transmitir uma mensagem contra a discriminação. De que tipo de discriminação estamos a falar? E porquê este tema e/ou este projecto?
O projecto HANDS não é em defesa de nunhum grupo em particular mas sim um apelo à não discriminação, ou seja, à aceitação das diferenças. Uma pessoa ou sociedade que por princípio não aceita as diferenças (religiosas, raciais, de orientação sexual, de condição social, de nacionalidade, etc) contribui para o empobrecimento das ideias. Preservarmos a diversidade da nossa sociedade é fundamental numa altura em que a crise económica conduz a uma crise de valores e a uma desconfiança generalizada em relação ao “outro”. HANDS não é sobre as vítimas ou sobre os perpretores de discriminação (não há um rosto no vídeo), também não é sobre as ideologias por detrás do acto mas sim sobre o acto de discriminar em si. Neste enquadramento, usamos as mãos – são o símbolo dessa acção.

HANDS é inspirado no trabalho da organização holandesa Magenta, que visa combater qualquer tipo de discriminação (étnica, sexual,…) e vai ter a colaboração de artistas de várias áreas (fotografia, dança, vídeo,…). Pode contar-nos um pouco mais sobre estes artistas?

A equipa do projecto HANDS é constituída pelo poeta grego Thomas Tsalapatis, que recebeu o prémio estadual de Debut Literário em 2012; pelo músico e compositor Manos Athanasiadis, professor de Jazz no conservatório Philippos Nakas em Atenas; por Katerina Kozadinou, cantora de Jazz, formada pelo conservatório de música de Roterdão; pelo fotógrafo e artista plástico português Alexandre Cabrita e por mim, responsável pela coreografia e interpretação. O vídeo termina com uma mensagem contra a discriminação redigida por Ronald Eissens e Suzette Bronkhorst, fundadores da organização Magenta e líderes na defesa dos direitos humanos.

HANDS está em crowdfunding até ao final deste mês, Dezembro (ver aqui). Como vai ser distribuído este fundo? E qual o balanço que tem feito do apoio que lhe tem sido dado até agora?
O balanço tem sido extremamente positivo. Até agora recebemos doações vindas de vários países bem como inúmeras mensagens de apoio e agradecimento. Neste momento falta um mês para terminar a campanha e precisamos de angariar 1200€ para atingirmos o objectivo financeiro a que nos propusemos, por isso todo o apoio, desde divulgação do projecto a doações, é necessário. Os artistas envolvidos no projecto são voluntários e o fundo vai servir para cobrir as despesas de produção, como aluguer de material e de espaços e impressão do livrete do projecto. Este livrete vai ser distribuído pela organização Magenta como forma de sensibilizar contra a discriminação.

Para finalizar, a Sara vai dar um workshop em Lisboa com o mesmo tema, Mãos,no dia 21 de Dezembro, no Fórum Dança. Este workshop terá um valor simbólico que reverterá a favor do projecto HANDS. Até quando são as inscrições e que outras informações pode adiantar?
O workshop é sobre a linguagem das mãos nas danças do mundo e o objectivo é dar a conhecer diversos movimentos e técnicas das mãos, assim como explorar a sua simbologia em diferentes culturas e manifestações de dança. As inscrições podem ser feitas até dois dias antes do workshop – sexta-feira dia 19 de Dezembro – enviando um email para dancingstories@europe.com e fazendo a transferência do valor do workshop (10€) para o Nib indicado no email de resposta. O projecto tem o apoio da Associação Cultural Fórum Dança que nos cede o espaço para a realização do workshop, permitindo que o valor total da inscrição reverta para o projecto HANDS.

Links úteis:
Página de crowdfunding para o projecto HANDS: aqui
Página de Sara Toscano: aqui

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