«Dance Bailarina Dance», pela CNB, Teatro Camões

Originalmente publicado em arte-factos.net, a 1 de Maio de 2013.

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dance, ballerina, dance

(…) 
And just ignore the chair that’s empty in the second row 
This is your moment, girl 
Although he’s not out there applauding as you steal the show 

“Ballerina”, Vaugh Monroe

Luzes ainda acesas, as cadeiras dos músicos vazias e os músicos sentados no balcão do auditório. Porquê?

Por que não?

Os panos ainda não levantaram, mas a Circular Ensemble dá início ao espectáculo, convidando o público a fazer parte dele: os músicos descem a escadaria em direcção ao palco, dois a dois, pedindo que o público lhes segure nas pautas, à falta de estantes.

Sobem-se os panos e uma estrutura que relembra imagens de Escher está no centro do palco – sobre ela centrar-se-á todo o espectáculo: uma confusão de bailarinos ora sobem ora descem as escadas, como se de uma imagem animada se tratasse. Uns mais apressados, outros mais atrasados, todos juntos, figuras desnorteadas em constante movimento.

Dance bailarina dance inspira-se nos musicais americanos da célebre idade de ouro do cinema, que marcou sem dúvida o imaginário de gerações. Esta é uma viagem ao reencontro da alegria, perdida neste tempo que se apelida de tudo menos de áureo. Mas é também uma prova de que podemos ser mais imaginativos e talvez também mais lúcidos para discernir aquilo que a nossa vista nem sempre alcança. Os músicos quebram a peça para ajeitarem as cadeiras, servem-se das estantes para também assim criar música; o momento de interacção que a certa altura se dá entre eles e os bailarinos bailarinos vai ao encontro de um factor constante na peça: o humor, ainda que nem sempre com contornos muito explícitos. Uma prova disso, quando um bailarino gira a cabeça de um músico e outro se deixa engolir pela tuba, enquanto outros bailarinos apenas olham de soslaio, não vá o risco ser maior.

Elas, as figuras centrais, ora bailarinas disparadas de uma caixinha de música ora bonecas articuladas, remetem-nos também para a figura da mulher pin-up de Gil Elvgren, sensual, confiante, mas submissa à figura do homem, que a carrega no ombro, depois de pegar nos sapatos de salto-alto atirados ao chão em tom de let’s-make-sure-they-notice-us-ignoring-them.

Há uma confusão em palco – muito própria dos musicais com os seus momentos de excesso – que não esquece referências como Gene Kelly e o seu “avião!” em An American in Paris, ou como a incansável dupla Gene Kelly e Donald O’Connor, em Singing in the Rain, culminando na figura feminina da diva, no centro da peça; ela, num pedestal que eles tentam alcançar, atirando-se, esperneando-se, mas sempre em tentativas mal sucedidas.

Há uma permanente rotatividade, evidenciada pelo trabalho de luzes, tanto de bailarinos como de cenas. Subitamente dá-se um momento mais sensual e damos por nós num show burlesco. Sob uma luz vermelha os corpos sobrepõe-se calmamente num efeito camaleão e arrastam-se uns sobre os outros, até que a agitação volte a romper em palco. Esta é uma peça muito fotográfica. Quem não recordará o padrão criado pelas pernas das bailarinas deitadas ou o duo composto por duas bailarinas que, levantando alternadamente as pernas, criam uma ilusão óptica?

Perto do fim, um momento mais metódico e austero, em que a coordenação dos bailarianos a tocarem castanholas dá-se numa marcha compassada até que o silêncio invada o auditório. O desequilíbrio é aqui também assimilado como ele próprio dança, dança das fragilidades humanas, carta aberta aos dias de hoje.

Avançamos então apressadamente ao encontro de um tempo com presságio de futuro. Os bailarinos manipulam em directo música electrónica – uma aplicação criada por Jonas Runa propositadamente para esta peça – e reportam-nos para um amanhã tecnologicamente avançado, mas que não esquece o passado e o presente, numa simbiose materializada nas sapatilhas de pontas, nos movimentosrobot, na quebra de pensamento coreográfico que se dá naquelas escadas de vida.

Iphones em palco? Porquê?

E por que não?

dance bailarina dance, com direcção e coreografia de Clara Andermatt e música de João Lucas, pisa o palco do Teatro Camões até ao dia 5 de Maio.

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